Quem manda (ou desmanda) na Receita Federal?

VALOR ECONÔMICO

Zemanta Related Posts ThumbnailO Crescimento econômico é bastante sensível ao humor das autoridades tributárias. Desde a elaboração das leis acerca dos tributos – que no Brasil é, na prática, uma iniciativa do Poder Executivo -, até a interpretação das leis existentes – por meio de normas complementares (infralegais) ou julgados administrativos -, a tomada de decisões econômicas é influenciada sobremaneira pelo conhecimento da intenção dos agentes fiscais, de quaisquer níveis.

Por esse motivo, as autoridades tributárias têm de agir da forma mais transparente possível e com a maior antecedência possível, para que os sujeitos do mercado possam se preparar e elaborar o devido planejamento econômico, considerando os impactos fiscais.

Aliás, o sistema tributário brasileiro prevê essa garantia aos contribuintes quando expressa o “sobreprincípio da não surpresa”, que encontra suporte no tripé legalidade, anterioridade e irretroatividade.

Recentemente, ao disciplinar o Regime Tributário de Transição (RTT) – instituído para neutralizar os impactos tributários da adoção do padrão internacional de contabilidade, conhecido como International Financial Reporting Standards (IFRS) -, a Secretaria da Receita Federal conseguiu afrontar os três pilares da não surpresa. Aliás, esse órgão do Ministério da Fazenda conseguiu uma inédita unanimidade: surpreendeu a todos os agentes do mercado, desde as empresas até as entidades de classe, passando pelos consultores, contadores, acadêmicos, advogados e outros órgãos reguladores.

Diversos profissionais qualificados, representantes de empresas, de auxiliares dessas empresas (contadores e advogados principalmente), das universidades e de outros órgãos do mesmo governo estavam negociando com a administração tributária o texto de uma medida provisória para tratar do fim do RTT e do tratamento tributário a ser dado às mudanças trazidas pela nova contabilidade (IFRS). No meio dessa negociação, de repente, não mais do que de repente, a Receita Federal publica uma instrução normativa (ato inferior à lei) para disciplinar a matéria, de maneira contrária à lei em diversos aspectos (afronta ao princípio da legalidade).

Como se não bastasse, a referida norma passa a vigorar na data da sua publicação (afronta ao princípio da anterioridade) e atinge fatos geradores ocorridos desde 2008, isto é, abrange eventos e relações econômicas verificados antes da sua publicação (afronta ao princípio da irretroatividade).

Essa atitude da Receita levou a insegurança jurídica a superar todos os limites, chegando a um nível jamais visto antes na história desse país.

Isso nos faz pensar no porquê dessa necessidade das autoridades tributárias de surpreender, de manter em sigilo os seus atos até o momento da sua publicação, de decidir toda a regulamentação tributária no conforto e no isolamento dos gabinetes oficiais. Parece fruto de diversão ou de ressentimento, em qualquer caso, perigoso para o Crescimento econômico do Brasil.

Muito melhor seria se a Receita buscasse o diálogo e a transparência, expondo seu ponto de vista e estando aberta a escutar o ponto de vista das empresas, dos acadêmicos, dos contadores e dos advogados, além dos seus pares de governo. Que tal o encaminhamento de projeto de lei sobre matéria tributária, no início do ano, em vez de medida provisória nos estertores do prazo constitucional? E por que não submeter minuta de instrução normativa, ou outro ato administrativo, à consulta pública, assim como já faz a Comissão de valores mobiliários (CVM)?

Fonte

A Constituição Federal impõe limites ao poder de tributar, ou seja, limites ao poder de invadir o patrimônio do contribuinte. [...].”

 

Receita Federal traz boas e más novas sobre o RTT

Por Mary Elbe Queiroz*

Zemanta Related Posts ThumbnailA Receita Federal do Brasil editou a Instrução Normativa RFB nº 1.397/2013 com o objetivo de regular o Regime Transitório de Tributação (RTT) em vigor desde 2008, por meio do qual foi criada uma contabilidade-fiscal para a apuração do lucro real, base de cálculo do IRPJ (Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas) e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), tendo em vista a separação entre este resultado e a contabilidade societária apurada com base no IFRS (Lei nº 11.638/2007). A IN pretendeu disciplinar a neutralidade tributária prevista na Lei nº 11.941/2009.

Com esta IN, porém, a Receita adotou a interpretação de que a isenção do IRPJ e da CSLL sobre os lucros e dividendos distribuídos somente alcançaria aqueles calculados com base nas regras contábeis vigentes até o ano de 2007. Tal entendimento poderia levar a autuações para cobranças de tributos e penalidades sobre a diferença de lucros supostamente distribuídos a maior se tivessem sido calculados com base no IRFS desde o ano de 2008 até hoje.

Essa interpretação estava ferindo os princípios da legalidade (estabelecido por IN), irretroatividade (editado agora, mas aplicável desde 2008) e segurança jurídica (mudança de regra após o jogo e também no meio dele).

O lado bom: em prestígio à segurança jurídica a Receita anunciou, no dia 02.10.2013, que não aplicará retroativamente as regras da IN RFB nº 1.397/2013 para cobrar tributos sobre lucros e dividendos distribuídos após a entrada em vigor do RTT até hoje.

O lado mau: a nova interpretação da IN permanece e será aplicada para 2014.

Contudo, segundo a RFB, deverá ser editada medida provisória ou enviado projeto de lei ao Congresso para extinguir o RTT e ser criado um novo sistema de apuração de resultados fiscais para IRPJ e CSLL. Ainda, para a RFB a ECF (escrituração contábil-fiscal) substituirá o sistema atual de apuração de tributos que hoje é feito por meio do FCONT que existe desde 2008. Mas a IN, para a Receita, não exige a apresentação de dois balanços.

Então, aqui nada mudou: permanece a possibilidade de serem apurados três resultados e três lucros pelas empresas (o lucro societário, o lucro contábil-fiscal e o lucro real), o que irá gerar grande complexidade. Contudo, permanecendo a atual interpretação, mesmo que colocada em lei, no final das contas é isto que a empresa terá que fazer, pois deverá declarar de forma completa a apuração do lucro contábil-fiscal na ECF e posteriormente fazer os ajustes para apurar o lucro real e não somente fazer os ajustes como hoje já é feito no FCONT.

Alerta-se, contudo, que qualquer lei tributária, que resultar em aumento de tributo, como poderão ser as novas regras, deverá estar aprovada e publicada antes do início do ano em que irá vigorar. Portanto, se a opção for por medida provisória, a Constituição, artigo 62, parágrafo 2º, exige mais, se for editada MP para tratar do caso ainda este ano ela deverá ser convertida em lei antes de 31.12.2013, para poder ser aplicada para o ano de 2014 no caso do IRPJ. Do contrário, só poderia ser aplicada para o ano de 2015. Com relação à CSLL, a Constituição exige que as regras que tratem de contribuições deverão ser editadas 90 dias antes da sua entrada em vigor. Assim, mesmo que a MP seja convertida em lei até dezembro, ela somente poderia valer a partir de fevereiro de 2014 para a CSLL, se for editada ainda este mês de outubro.

O lado bom: se a MP apenas tratar de um possível perdão para não cobrar os tributos supostamente devidos de 2008 até hoje sobre a diferença distribuída entre os lucros societário e o contábil-fiscal, as disposições da MP já serão aplicáveis de imediato.

O lado mau: é que se a nova interpretação permanecer só na IN e não for colocada na lei ela continuará com o vício da ilegalidade, porém, se for colocada na MP, repita-se, as disposições da MP que disciplinarem a tributação da diferença entre os lucros somente poderão obrigar para 2015 se a MP for convertida em lei até 31.12.2013.

Chama a atenção, também, que se a ECT for uma nova declaração a ser apresentada, a sua obrigatoriedade e as penalidades pelo seu descumprimento deverão estar previstas expressamente em lei, pois a legislação tributária infralegal somente poderá tratar das formalidades para a apresentação da declaração criada por lei e não simplesmente criar uma nova obrigação que antes não existia. Isto é o que reclama a legalidade e a segurança jurídica.

*Mary Elbe Queiroz é advogada tributarista, sócia do Queiroz Advogados Associados e presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários (IPET) e do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil (CEAT). É coordenadora científica do XIII Congresso Internacional de Direito Tributário de Pernambuco e membro imortal da Academia Brasileira de Economia e Ciências Sociais (ANE).

Fonte

Fonte

“A Filosofia e seu Inverso”,